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VIOLÊNCIA DE GÊNERO, CONSTELAÇÃO FAMILIAR e HIERARQUIA - Relato de caso

  • Greice Machado
  • 7 de jan. de 2020
  • 5 min de leitura

"Contarei aqui sobre um atendimento realizado à luz da Abordagem Sistêmico-Fenomenológica, conhecida como Constelação Familiar, envolvendo a questão Violência de Gênero, e a desordem da Hierarquia como lei sistêmica.

O que trouxe a cliente para o atendimento foi a sua dificuldade de se conectar com a filha mais velha, que é fruto de seu primeiro relacionamento. Nem a cliente, e nem a filha se sentem próximas emocionalmente uma da outra.

Além disso, esta mesma cliente referiu não poder "nem lembrar do pai da filha. O odeia." Neste relacionamento, sofria violência de gênero.


Separou-se quando a filha era ainda muito pequena. Hoje ela é uma pré-adolescente.

E esta separação se deu porque seu pai a viu sendo agredida e impediu que seguisse com aquele companheiro - ou seja - tampouco foi iniciativa sua o término daquela relação.

O que nós vemos através da abordagem da Constelação Familiar é que os filhos são metade sua mãe e metade seu pai. É assim que todos nós adentramos a vida.

O que vemos é que muitas dificuldades entre pais e filhos estão relacionadas com a exclusão de um dos pais.

Nossa intervenção com esta cliente foi então problematizar:

?Como vai tomar a filha por inteiro se rechaça metade desta filha? (a metade que vem do pai)

? Como a filha pode se conectar com ela se metade dela não é aceita?

Então, a intervenção foi

1) MOSTRAR O QUE ESTAVA ACONTECENDO:

Existe uma parte na filha que ela rejeita e por isso não pode tomá-la completamente.

2) TRAZER À TONA O AMOR

“Amaste muito este homem, não é”

Mesmo vivenciando esta situação de violência, ela só se separou por intervenção de seu pai, que acabou vendo-a apanhar.

E sim, ela reconhece que amou muito. “Ele é que não me amou”. Aí vem à tona que a maior mágoa e o que ela não entendia era o fato de ele fazer aquilo com ela, mesmo ela amando tanto, e ao parecer, ele também.

Então o próximo passo da intervenção é

3) TRAZER À LUZ PORQUE ELA ESCOLHEU AQUELE HOMEM naquele momento da vida. Pois o discurso dela até então, era simplesmente – ele é o ruim, eu sou a boa. Eu sou a vítima, como se não existisse a sua participação naquela relação.

Cabe lembrar aqui que não estamos negando que esta cliente foi vítima de Violência de Gênero.


Esclarecer o lugar de vítima em uma situação é muito importante quando alguém não está se dando conta do que está acontecendo. Mas isso deveria ser somente um dos estágios da intervenção. Porque quando um lugar de vítima se cristaliza na vida de alguém, isso costuma ter consequências nefastas.


O lugar de vítima coloca a pessoa no lugar de indefesa e boa. Se entramos nessa dicotomia, em que ela é boa, e outro é mau, então não há nada nela que precise ser mudado.

Não é raro encontrar mulheres que terminam relacionamentos violentos e acabam entrando em um novo relacionamento também violento. Por que? Porque nada dentro dela se transformou.

No caso da nossa cliente, o problema apareceu no distanciamento com a filha, já que metade dela era simplesmente "má".

Então, para descobrir o motivo de sua escolha por este homem (mesmo que inconsciente) fomos atrás da HISTÓRIA FAMILIAR. Ela conta como era a relação dos pais dela:

O pai era alcoolista e também havia uma situação de violência em casa.

Ela relata que julgava a mãe na época pela permanência naquela relação.

Na Abordagem da Constelação Familiar, levamos em conta que atua em nós uma Consciência Arcaica (ou Consciência de Clã). Internamente e inconscientemente, nós sabemos que existem algumas leis que garantem a sobrevivência do grupo familiar, ou do clã.

Aqui se trata de uma delas: a HIERARQUIA.

Hierarquia significa que quem vem antes dentro do Sistema Familiar tem precedência com relação a quem vem depois. Em outras palavras, quem vem depois é pequeno em relação a quem vem antes, que é grande.

Quando nós temos um julgamento ou uma queixa em relação aos pais, nós nos elevamos sobre os pais. Isso é uma desordem da hierarquia.

Mesmo que não se tenha uma má intenção com isso, o fato é que nos elevamos e por isso estamos em desordem. Nesta abordagem, não se trata da intenção, e sim da atuação.

Então esta nossa Consciência Arcaica opera para que se restabeleça a ordem no sistema. Uma das saídas mais comuns é esta:

Inconscientemente, eu produzo algo na minha própria vida para me forçar a voltar para o meu lugar (que é de pequeno em relação aos pais, portanto sem o direito de julgar).

Frequentemente se produz uma dinâmica chamada “Eu também”. "Eu também vou sofrer violência doméstica". "Eu também fico com um homem que me agride."

É como se nós nos colocássemos nos sapatos daquele a quem julgamos.

É uma oportunidade de abrir mão do julgamento e dizer – "agora eu vejo." "Agora eu sei como é, e sei que não é fácil sair dessa relação."

Desta forma, a filha tende a ficar novamente pequena em relação aos pais.

Então o que nós fizemos foi resgatar isso com ela: “Bom, então agora tu sabes que não é tão simples. Talvez devas um pedido de desculpas à tua mãe”.

Em Constelação Familiar usamos muito as representações de entes da família – e assim foi feito. E ela efetivamente disse isso à mãe. “Eu sinto muito” “Eu não sabia”.

Com isso, ela pôde ver os próprios emaranhamentos familiares, e trazer para a consciência o que estava se passando profundamente, e que havia determinado, mesmo que inconscientemente, a sua escolha de permanecer naquela relação.

É claro que ela foi vítima de violência de gênero. Mas enquanto ela não puder ver a própria participação nesta relação, ela não se torna protagonista desta história e permanece impossível mudá-la.

Quando algo nos acompanha por muito tempo, significa que nem tudo que precisa ser aprendido já foi integrado.

Vejam bem – agora que ela pôde ver os próprios emaranhamentos sócio-familiares dela – também pode olhar para o pai da filha – não como um monstro horrível simplesmente - mas alguém que está profundamente emaranhado em suas próprias questões familiares também.

?Ou será que alguém simplesmente acorda de manhã e escolhe ser um agressor?

Não. E muita coisa que a gente faz também não é uma escolha muito consciente.

Agora então, ela pode VER o parceiro, algo que antes não lhe era possível.

E se ela pode ver ter um olhar mais benevolente para ele, como será que fica olhar para a filha deles? Melhor ou pior?

Dias depois, esta mesma cliente nos conta que naturalmente houve uma aproximação dela e da filha.

E mais alguns dias depois, a avó paterna da menina, que vive em outra localidade, assim como seu pai, com quem não tinha contato desde a separação, veio do interior para visitá-la.

Isto, para essa mãe, dias antes, teria sido o caos, nas palavras dela, já que se sentia mal apenas em lembrar da existência daquele homem. Mas agora estava forte e centrada, e com uma postura aberta e respeitosa para o sistema familiar daquele parceiro.

E a filha? Quais as chances de ela não precisar reproduzir uma relação violenta no futuro para poder incluir (inconscientemente) o pai?

São muitas, verdade?

Esta é beleza deste trabalho. Traz à tona em que ponto o amor está preso, estancado ou desordenado. E quando é possível para o cliente integrar aquilo que, mesmo sem saber, vinha excluindo, tudo fica mais leve... para si e para quem vem depois."


*Transcrição de Apresentação Oral realizada no II Seminário Serviço Social Clínico, promovido pelo SASERS em 2018.

Greice Machado

Consteladora Familiar Sistêmica treinada pelo IDESV desde 2012

Master en Intervención Social con Indivíduos, Familias Grupos pela Universidad Pública de Navarra - Espanha.

Atende Individualmente, casais e famílias. Realiza Palestras e Grupos de Estudo com o intuito de demonstrar que a Filosofia Sistêmica é acessível a todos e que CONSTELAR é um ato interno.

 
 
 

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